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Onde havia pedras, medraram as ervas.
Deitaram raízes as vozes.
Onde se erguia um templo, agora cantam as fontes.
Sagram-se os verdes sentidos assentes no jade.
Como tinha de ser, tapada a vasilha de Pandora.
Em que ponto exacto se dilui o vértice do caminho?
De pena em pena, na pedra que resvala.
Em Sísifo e no seu recomeço inútil.
Só se divisa o pó na berma da estrada.
Haveria de colher, de raspar, o musgo…
Em que ponto exacto?
Na entidade de ti subterrada, ó semente!
Não. Nem só de neve cantam as fontes.
E ele sabia-o:
“Se matássemos uma criança que chora
para nos restituir o silêncio…”
Medra o silêncio.
Mas e as pedras que respiram num choro inocente?
Medrasse o silêncio. Tardarás…
Demorada fronte, olhar velado, lábios divinos. Apetecíveis.
Tardarás sempre, agora, ó Prometeu portador do fogo!
Não mais o gesto será de ternura enforcada,
total entre os cabelos e o dorso.
Haveria de colher o musgo.
De escavar no peito.
De enegrecer as unhas.
Não. Não poderemos esquecer!
Como se fora possível desistir assim do que a alma prende.
É preciso que chova sobre a terracota.
Que no molde cru se entregue as mãos à terra.
Destapar as pedras e sentir a pulsação das palavras,
hoje submersas.
Talvez então, no infinito azul do equinócio,
uma nuvem solta lembre a pomba de Afrodite
e tudo a nós regresse inteiramente.
Os fins não justificam os meios, mas não apenas porque os meios possam ser criminosos: os fins não justificam os meios porque são contaminados por eles. Se matássemos uma criança que chora, para nos restituir o silêncio - o silêncio restituido estaria cheio do seu choro...
Vergílio Ferreira