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e quem, flor de pão,
não cede vencido ao deleite
sobre o lençol macio das sílabas delidas?






sobre as lajes de pedra, a intenção em punho
rosto tenro nos jeans azuis, todo interior, sereno

lábios cerzidos no retrato da inteireza
o regresso esquivo em minúsculas recentes

toda é quando o torso aflora
terra no gesto solto
pétala no verso claro














Porta dos Nós, Vila Viçosa

 




Em pose teatreira
sob um céu de aço
que Pedro estremece
com possante voz,
as vestes da serva
no terreiro do paço,
são da cor da pedra
vinda d'Estremoz.




Foto do André - Vila Viçosa, Equinócio d'Outono de 2008



.Ao passo que o paço....
do tempo que chega .....
à memória coeva...........
de nossos avós,.............
cinza, cor do aço,...........
veste-se de pedra..........
delida qual serva............
 rosada na tez. ...............


..............
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Por minha mão destra sublinhado____________

« um discurso que fosse lentamente
em luta com o silêncio prosseguindo»
   ______________e nos versos de David porfiado.

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então, um sino dobrou nas alas do caminho
o pintor brindou a luz do girassol

os lobos uivaram no aulido do vento
as cigarras cantaram, apesar da amargura
e os poetas vieram no timbre do dia
herdar-te as asas da utopia







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O meu berço é D'ouro!



O Porto é varonil, o que é uma raridade. E cheira a mar.
Se a memória não me trai, assim tomada de relance, semelhantes filhos varões, a humanidade só pariu o belíssimo Rio de Janeiro e o antiquíssimo Cairo. Como neles, também pelas ruas estreitas da baixa portuense formigam casais de turistas pela justa idade d’ouro.
D'ouro o casario de tez flamejante no rio espelhado. D'ouro a luz nas clarabóias, cristais que sobejam de outrora, torcidos em molduras metálicas e toldados por diligentes Ariadnes da fortuna.





Pálidas as mãos e as paredes, que o tempo deliu.
Alvos os cabelos, que o saber (ou um qualquer desgosto) caiou, e os lençóis nos varandins hasteados. Roupa a secar, imaculada como a virgem que borda o escudo da cidade em que o ouro, às vezes, é azul e branco.
Clássicos, os calções até ao joelho, os sapatos sem atacadores, os blusões claros de fecho e molas. As janelas de guilhotina que oferecem vistas obsequiosas.
Abertas as bocas pasmadas: cheira a mar, mas não sopra o zéfiro. Ainda a manhã segue moça e há um admirável mundo novo no Porto surpreendente, se a sorte dobra em cada esquina e se o sol já toca a torre, sobre a névoa.
Cá dentro,  um grasnar alvoroçado de aves, rente aos telhados. Laborioso, dir-se-ia. Na rua, uma acordeonista, ora enfuna ora dedilha a valsa da Amélie. Hoje, triste. Deixemo-la! Amanhã tocará mais leda.
Um casal de namorados beija-se ardentemente de pé. É impossível não arregalar retina ou deter menina! Tudo em redor é cinza, mas o par é rubro, como as pedras onde medram amendoais.
Cheira a mar.
Se, na Primavera, a minha cidade cheira a tília, a tília e mar, já no Outono os seus aromas são frutados. Soltam-se, pelas ruas da cidade, os perfumes envolventes dos assadores de castanhas e da frescura agri-doce das tangerinas, que os miúdos descascam nos recreios das escolas. E no Inverno, no Inverno cheira-me a magnólias e a café torrado. E ainda a mar.

Mas eu não posso falar-te da minha cidade. Não terminaria nunca!

Teria de contar-te como os arquitectos salpicaram de branco - asa de gaivota - o mais pardo granito, para ser amado por pintores e cantado por poetas. E ficaria tudo por dizer. «DAQUI HOUVE NOME PORTUGAL...» e as primeiras páginas penduradas nos quiosques corroboram: ontem, o Raul marcou o golo preci(o)so pela selecção.



Mirando o Douro, com o rio a correr no olhar e o tempo a correr na pele.






Fotografia do André (captada em 2003 com a velhinha Epson)





"A música é a vida sensual da poesia"




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              Bem sei que a genialidade o explica,

              Esquença do infortúnio, magna autora,

              Excelsitude assim que da cruel desdita

              Transmuta em sorte, a revolta criadora.

              Homérico prodígio, o da solidão aflita...»

              Ouvidos feridos – Ó dor devassadora!

              Virgens da sua derradeira criação.

              Euterpe O traz da memória rigorosa,

              No peren'e pungente exílio da ovação.

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Ouvimos o primeiro movimento da Nona Sinfonia de Beethoven. Eu ouço bem alto e em incessante replay para mais me elevar e enternecer. Maravilhem-se!
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Tarde de trevas e raivas incontidas.
Faz frio, ribomba o trovão, dobram-se os choupos em vénias à passagem do vento, turvam-se as águas no Douro, chovem pedras desabridamente...





Solução da adivinha no apeadeiro: a saudade.









Na linha da vida apeada,

esquartejada em quartos d'hora.

Parte espera enferrujada,

parte me parte agora.

Some-se por férreos túneis,

ficando presente embora,

e por acaso sabeis

o que resta desta história?





  Nota: resposta no próximo postal
   Fragmento de foto da autoria do André



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Assomou eriçado, Novembro, em seu dia doze.
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há dias
assim

em que algo uiva
cá dentro,
como o vento,
como o vento nas sacadas.

dias em que as sombras
se agigantam e
nos tomam

como braços,
como troncos,

como ramos pendulares
que assomem às janelas.
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Sensibilidade eremita
que a saudade constrange,
quase vontade que grita,
oressa que na fraga range.

É o meu soluço distante,
fresco, do teu agrado,
que sob o sol escaldante,
chora o ribeiro no prado.




um rio detido na represa da memória




Fotografia de André Pisco


Potro de águas livres e nómada montesino milenar, o Sabor, pouco depois de nascido, a uma altitude de 1600m, na Serra da Parada, sobranceira “à bem cercada” Zamora, enceta viagem pela meseta ibérica, para brunir o seu leito sobre o rubro solo transmontano, e desaguar no Douro, junto à localidade que lhe herdou o nome - Foz do Sabor, em Torre de Moncorvo, ainda a uma altitude considerável, muito perto dos cem metros.

Dizem que o rio, onde aprendi a nadar, é o último rio selvagem da Europa. Todavia, o bicho Homem prepara-se para lhe deitar rédeas, não tarda nada. Os trabalhos já começaram, mas antes que as represas de betão o domestiquem e, bravo, permaneça só nas retinas da saudade, fomos detê-lo nós na represa da memória.











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- Dos lugares -


A primeira vez que visitei Marvão, há mais de dezoito anos, achei a vila tão branca e limpa que me descalcei e foi de pés nus e coração rejubilante, que calcorreei aquelas vielas de pedra alabastrina. Chegara de manhãzinha e até as sombras eram luminosas. Continua assim como me lembrava dela: bela, alva e sobranceira. Desta vez, quando a avistei, já o sol se recolhera...

Gostei muito de voltar, só foi pena termos encontrado todos os restaurantes fechados, dado o adiantado urbano burguês da nossa hora de chegada e o orgulho teimoso de quem se cumpre ao gozo em glosa de tradição: «tente mais abaixo ou mais acima...quem sabe...?» dito com a expressão evidente de que a esta hora, dentro das muralhas, já não iríamos encontrar nada (!)

Mas quis o destino ser achado numa íngreme viela, não menos bela, e lá nos resolveram com que merendar e bebericar num tasquinho acolhedor. Sempre valerá a pena guardar de outrora esta ledice fácil de espontânea bem querença. Alvíssaras, pois!





Fotos do André







- cálice de pedra rasgado com claustro austero ao fundo -




estáticos os silêncios no cálice das horas férteis.
as preces dos pássaros,
essas,
como resquícios de estio largados na praia,
esquivam-se na tarde triste.

ave de olhar segue o curso das águas e do dia...
mais meu canto se adia e já agosto termina.




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(!)
Bons géneros e iguarias de estalo



Casa regional «O Pote» em Bragança





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Somos barro
no reminiscente intervalo que a memória alcança.
Somos pó
sempre que o sudário de um conflito a envergonha.